Solução de Consulta nº 28/2024.
PUBLICADO NO DODF Nº 184, DE 25/09/2024, PG 3, 4 E 5.
Solução de Consulta nº 28/2024
PROCESSO nº 04044-00010876/2024-76
ISS. SERVIÇOS PRESTADOS AO PRÓPRIO CONTRIBUINTE. AUSÊNCIA DE FATO GERADOR. PRINCÍPIO DA LEGALIDADE E DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA. IMPOSSIBILIDADE DE EMISSÃO DE NOTA FISCAL PARA AUTOSSERVIÇO.
I – Relatório
1. Trata-se de Consulta formulada por pessoa jurídica de direito privado, envolvendo a legislação do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza - ISSQN, regulamentado neste território pelo Decreto nº 25.508/2005 (RISS) e alterações legislativas posteriores.
2. Na inicial, o Consulente relata que prestará serviços a si próprio, devido a um contrato celebrado com a Agência Nacional de Cinema (ANCINE).
3. Aduz ainda que necessita comprovar a prestação dos serviços à ANCINE, seja por meio de nota fiscal de serviços, seja pela apresentação de algum tipo de recibo.
4. O interessado indaga a respeito da incidência ou não do ISSQN. Nesse escopo, apresenta manifestação do fisco de Belo Horizonte, que se posicionou pela não incidência do imposto em consulta similar à ora apresentada.
5. Assim, ele apresenta os seguintes questionamentos, “ipsis litteris”:
“Prezados, trabalhamos na área do audiovisual e precisamos fazer uma prestação de serviços para nossa própria empresa. Porém o Distrito Federal não permite emissão de notas fiscais para o próprio tomador de serviço. A verba do projeto é proveniente de um edital da Ancine, que nos explicou o seguinte:
"Caso a legislação do Município sede da proponente não permita a emissão de nota fiscal da proponente contra si mesma (quando a proponente é tomadora e prestadora do serviço) para fins de prestação de contas junto à ANCINE, a despesa deverá ser comprovada com recibo acompanhado do comprovante de recolhimento do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza – ISS (se houver).
Além disso, caso a prestação de serviço seja referente a taxa de gerenciamento, o recibo somente será aceito para comprovação do serviço de gerenciamento prestado pela proponente se acompanhado também de fundamentação que comprove que o Município não permite emissão de nota fiscal da proponente contra si mesma.
Nas hipóteses em que não for devido o recolhimento do tributo na fonte ou emissão de nota fiscal, deverá ser apresentado o recibo acompanhado da fundamentação que comprove a dispensa."
Há Algumas semanas atrás fomos informados por vocês de que não há de fato "prestação de serviço quando o contribuinte presta serviço para ele mesmo" e também que emissão de nota não precisa e nem deve ser emitida, afinal Conforme o art. 88 Decreto 25.508, será considerado "inidôneo para efeitos fiscais" tal emissão desta nota fiscal.
Sendo assim, no nosso caso, precisaríamos emitir somente um simples recibo da própria produtora, o que não envolveria também recolhimentos de eventuais impostos.
Nós passamos por uma situação igual a essa também no estado de Minas Gerais, na cidade de Belo Horizonte. Na ocasião, nos foi entregue uma fundamentação formal (em anexo como referência), que é a que a Ancine nos solicita enviar, comprovando que o estado não permite emissão de nota fiscal para o próprio tomador de serviço com todos os campos da nota fiscal preenchidos, assim como a não necessidade do recolhimento dos respectivos impostos, uma vez que não haverá emissão de nota fiscal.
Diante do exposto, gostaríamos de solicitar um documento formal similar ao que está em anexo, para que possamos apresentar a Ancine.”
6. Em ato contínuo, os autos seguiram aos demais setores competentes desta Secretaria de Estado de Economia (SEEC) para as providências formais cabíveis.
7. Nesses termos, os autos foram remetidos a esta GEESC para apreciação e manifestação.
II - ANÁLISE - Fundamentação
8. Por oportuno, cabe destacar que a Solução de Consulta não se presta a verificar a exatidão dos fatos apresentados pelo interessado, uma vez que se limita a apresentar a interpretação da legislação tributária conferida a tais fatos, partindo da premissa de que há conformidade entre os fatos narrados e a realidade factual. Nesse sentido, não convalida nem invalida quaisquer informações ou interpretações e não gera qualquer efeito caso se constate, a qualquer tempo, que não foram descritos, adequadamente, os fatos, aos quais, em tese, se aplica a Solução de Consulta.
9. O princípio da legalidade estrita (inciso II do art. 150 da CF) conforma toda a atividade fiscal do Estado, nesse sentido, a competência tributária está adstrita ao que a lei determina.
10. A legislação do Distrito Federal (DF), além de não contemplar em sua literalidade situação que possa ser subsumida ao caso em análise, não prevê possibilidade de que haja confusão entre o prestador e o tomador de serviços tributados. Vejamos, p.ex., respectivamente, os aspectos material e temporal de incidência nas importações do imposto no RISS:
“Art. 1º O Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza - ISS tem como fato gerador a prestação de serviços relacionados na lista do Anexo I, ainda que esses não se constituam como atividade preponderante do prestador. (grifos nossos)
§ 1º O imposto incide também sobre o serviço proveniente do exterior do País ou cuja prestação se tenha iniciado no exterior do País.
(...)
§ 6º Considera-se ocorrido o fato gerador, para efeitos do § 1o, no momento do recebimento do serviço pelo destinatário, tomador ou intermediário, por qualquer meio, assim considerado, alternativamente, o que ocorrer primeiro: (grifos nossos)
I - o recebimento da fatura ou documento equivalente;
II - o reconhecimento contábil da despesa ou custo;
III - o pagamento.”
11. Como se depreende da literalidade da norma, toda a dicção normativa concebe a matriz tributária sobre um negócio jurídico bilateral, havendo um tomador e um prestador.
12. Além disso, o conceito de serviços de qualquer natureza é fundamental para se definir o que pode ser tributado a título de ISS. No RE 651.703, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que extrapola o conceito civilista de prestação de serviços, atrelado às obrigações de fazer. É mais amplo, alcançando o “oferecimento de uma utilidade para outrem, a partir de um conjunto de atividades materiais ou imateriais, prestadas com habitualidade e intuito de lucro, podendo estar conjugada ou não com a entrega de bens ao tomador”.
13. Luciano Amaro1, em sua obra clássica sobre direito tributário, discute a natureza da prestação de serviços e a incidência do ISSQN. O autor argumenta que o conceito de serviço implica uma atividade que gera um benefício a um terceiro, que é o tomador do serviço. Para ele, quando um serviço é realizado para o próprio contribuinte, não há prestação de serviços nos termos da legislação tributária, pois falta o elemento da alteridade, essencial para a configuração do fato gerador do imposto.
14. Hugo de Brito Machado2, também adota o entendimento de que o ISSQN não incide sobre serviços prestados ao próprio contribuinte. Em sua obra, ele explica que o serviço, para ser tributável, deve ser uma atividade exercida em benefício de outra pessoa, e não do próprio prestador.
15. Além disso, Machado enfatiza que o direito tributário não admite ficções jurídicas que ampliem a base de incidência do ISSQN além do que está expressamente previsto em lei. Assim, a prestação de serviços para si mesmo não constitui fato gerador do imposto, pois não há um tomador do serviço distinto do prestador.
16. Dessa forma, integrando a interpretação jurisprudencial e doutrinária à inteligência da legislação do DF, pode-se asseverar que a realização de atividades cujo resultado seja auferido pelo próprio prestador está fora do campo de incidência do ISSQN.
17. No que pertine à emissão de nota fiscal para o presente caso, a legislação considera tal documento inidôneo para fins fiscais. Vejamos o art. 88 do RISS:
“Art. 88. Será considerado inidôneo para os efeitos fiscais, fazendo prova apenas em favor do Fisco, o documento que:
I - omitir as indicações necessárias à perfeita identificação da prestação do serviço;
II - não for o legalmente exigido para a respectiva prestação do serviço;
III - não observar as exigências ou requisitos previstos neste Regulamento;
IV - contiver declarações inexatas, estiver preenchido de forma ilegível ou apresentar emendas ou rasuras que lhe prejudiquem a clareza;” (grifos nossos)
18. No tocante à emissão de recibos para fins de cumprimento de obrigações contratuais com a ANCINE, apenas indicamos o tipo de documento que não é permitido pela legislação (RISS):
“Art.75 (...)
§ 2º É proibida:
I - a impressão de pedidos, orçamentos, notas, recibos, cupons, tíquetes, boletos, ordens de serviço e outros documentos com características semelhantes às dos documentos fiscais, que não contenham em destaque a expressão: “SEM VALOR FISCAL” (grifos nossos)
III - Conclusão - Resposta
19. Pelo exposto, em resposta ao Consulente, destacamos a introdução e os questionamentos apresentados:
“(...)Nas hipóteses em que não for devido o recolhimento do tributo na fonte ou emissão de nota fiscal, deverá ser apresentado o recibo acompanhado da fundamentação que comprove a dispensa”
20. Resposta:
Considerando o princípio da legalidade estrita, o próprio conceito de serviço e os elementos essenciais da matriz de incidência do imposto, a falta de alteridade no autosserviço afasta a incidência do ISSQN.
Quanto à emissão de recibo para a ANCINE, este órgão consultivo não tem competência para indicar um modelo, apenas destacamos o que a legislação não permite (inciso I do § 2º do art.75 do RISS):
“Art.75 (...)
§ 2º É proibida:
I - a impressão de pedidos, orçamentos, notas, recibos, cupons, tíquetes, boletos, ordens de serviço e outros documentos com características semelhantes às dos documentos fiscais, que não contenham em destaque a expressão: “SEM VALOR FISCAL”; (grifos nossos)
21. Pelo exposto, nos termos do disposto no art. 80 do Decreto nº 33.269, de 18 de outubro de 2011 (Regulamento do Processo Administrativo Fiscal – RPAF), a presente Consulta é eficaz aplicando-se a esta o disposto no inciso III do art. 81 e caput do art. 82, ambos do PAF.
À consideração de V.S.ª.
Brasília-DF, 05 de setembro de 2024.
Rodrigo Augusto Batalha Alves
Auditor-Fiscal da Receita do Distrito Federal
1 - AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 23. ed. São Paulo: Saraiva, 2021, pg.237
2 - MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 39. ed. São Paulo: Malheiros, 2021, pg. 335
À Coordenadora de Tributação da COTRI.
De acordo.
Encaminhamos à aprovação desta Coordenação o Parecer supra.
Brasília-DF, 05 de setembro de 2024.
Luísa Matta Machado Fernandes Souza
Gerência de Esclarecimento de Normas
Gerente
Aprovo o Parecer supra e assim decido, nos termos do que dispõe a alínea "d" do inciso VI do art. 1º da Ordem de Serviço SUREC nº 129, de 30 de junho de 2022 (Diário Oficial do Distrito Federal nº 124, de 05 de julho de 2022, pág.4).
A presente decisão será publicada no DODF e terá eficácia normativa após seu trânsito em julgado.
Saliente-se que, independentemente de comunicação formal ao Consulente e aos demais sujeitos passivos, as considerações, os entendimentos e as respostas definitivas ofertadas ao presente caso poderão ser modificados a qualquer tempo, em decorrência de alteração na legislação superveniente.
Esclareço que o Consulente poderá recorrer da presente decisão ao Senhor Secretário de Estado de Fazenda no prazo de trinta dias, contado de sua publicação no DODF, conforme dispõe o inciso II do art. 78 combinado com o caput do art. 79 do Decreto nº 33.269, de 18 de outubro de 2011.
Encaminhe-se para publicação, nos termos do inciso III do art. 252 da Portaria nº 140, de 17 de maio de 2021.?
Brasília-DF, 16 de setembro de 2024.
Daviline Bravin Silva
Coordenação de Tributação
Coordenadora
Publicado em: 25/09/2024 ás 00:00
Secretaria de Estado de Economia do Distrito Federal
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